Rainha de todos os meus sonhos

“Existia uma garota,

Uma garota estranha e encantada,

Diziam que ela vagava de muito longe,

Por terra e mar,

Um pouco tímida e de olhos tristes

Mas muito sábia era ela.

Até que um dia

Um dia de sorte ela passou por meu caminho

Então falamos de várias coisas

Bobos da corte e reis

Então ela disse para mim

‘A melhor coisa que você vai aprender

É amar e ser amado de volta.’ “


O nome dessa garota era Ester, me lembro muito bem. Como poderia esquecer? Mesmo depois de tantos anos ela é a memória mais vívida, porém ao mesmo tempo a mais embaçada que tenho. Isso soa errado, mas não sei como me explicar melhor. Eu me lembro de tudo, mas a sensação é de que tudo foi um sonho, mágico demais para poder realmente ter acontecido.

Ela foi a primeira e a única pessoa que conheci que morava na lua. Ela chorava ás vezes, mas lágrimas de sabedoria e pesar, não por ela, mas por nós, pelos outros, sempre pelos outros. Sua tristeza nunca era por si mesma. E esse era o jeito mais bonito de mostrar seu amor à todas as outras coisas.

Ela brilhava também, brilhar não é exatamente a palavra, ela era radiante, emitia um brilho sutil, quase muito sutil aos olhos. Parecendo a lua, que não espanta a escuridão, como o sol, apenas a empurra um pouquinho para o lado. Ela não extingue nada porque tudo respeita. Assim como Ester. Nunca extinguia nada, deixava tudo ser.

Não vou tentar descreve-la aqui, isso seria errado, porque nada faria justiça ao que ela aparentava. Então, se não vou chegar nem perto do sentimento mágico que ela me fazia sentir ao olha-la, então é melhor eu parar por aqui, antes que profane algo belo demais para as palavras. Puro demais para o mundo. Talvez uma canção pudesse descrevê-la, uma bela canção poderia tentar alcançar a sua magia. Nunca alcançar, de fato, mas ir pelo caminho certo e contornar sua silhueta.

Veja bem, não estou falando de uma beleza na qual você deve estar imaginando, eu sei que sempre existe alguém que vem a nossa mente quando falamos de perfeição. Sempre existe um padrão de beleza, seja ele qual for. Mas ela não era nada disso. Não existe padrões de beleza para o brilho da lua, ela apenas brilha. E isso é tudo que eu vou falar.

Nunca vou esquecer do dia que a encontrei. Eu estava no meio de um prado, o que estava fazendo lá não é importante. Era um dia cheio de um vento frio e com o sol meio pálido, mas era uma manhã agradável, havia sol e isso que importava. As nuvens haviam sido sopradas para longe pelos ventos teimosos.

Havia uma garota com cabelos esvoaçantes andando ao lado do carvalho solitário que lá havia. Ela parecia perdida, apesar de não transparecer insegurança, mas seu olhar era muito curioso e analista como se estivesse procurando algo muito difícil de se ver. Então fui falar com ela e acabei descobrindo que quem precisava se encontrar na verdade era eu, mas irei chegar lá.

– Olá. – eu disse depois de me aproximar o suficiente. – Você precisa chegar em algum lugar? Eu poderia tentar te ajudar caso precise. – Tive a impressão que ela parecia perdida, talvez porque ela não parecia pertencer ali, naquele lugar, não me refiro a pradaria, mas a esse mundo. O mundo parecia não merecê-la de alguma forma, parecia profanar a sua existência.

Ela olhou para mim pela primeira vez e então sorriu, sua boca estava fechada e levemente tensionada e seus olhos eram apertados por conta do sol. Eu tive que sorrir de volta, não parecia certo fazer nenhuma outra coisa. Desejei então que ela fosse minha amiga. Seria bom ter uma amiga com aquele sorriso. Apesar de seu olhar, lá no fundo, ser um pouco triste, como uma tristeza intrínseca, como se um pedacinho essencial dela estivesse quebrado.

– Quando a escuridão vier onde você irá se abrigar? – ela perguntou, talvez estivesse tentando responder a minha pergunta. Ela precisava de um lugar para passar a noite? Mas eu não poderia sugerir alguma estalagem, não, não foi isso que ela havia perguntado.

– Vou para a minha casa que fica logo ali. – apontei para o norte. – Mas não preciso me abrigar da escuridão, – respondi tentando mostrar coragem, até hoje não sei porque – hoje a lua vai estar cheia e os ventos sopraram as nuvens para longe. Não haverá escuridão.

Ela sorriu novamente, mas agora olhou para baixo como se estivesse envergonhada.

– Você diz a verdade. – ela disse ainda olhando para a grama.

– Você não respondeu a minha pergunta. – disse sem querer parecer rude, queria ajudá-la, mas ela parecia não entender exatamente como uma conversa funcionava.

– Eu conheço todos os lugares a vista do mundo. Realmente preciso chegar á algum lugar, mas você não pode me levar. Eu preciso chegar lá, mas não quero. Então decidi ficar por mais um dia. Não posso te pedir para me ajudar a chegar a um outro lugar porque nem mesmo eu sei para onde estou indo. – ela respondeu enquanto seus cabelos dançavam ao vento e brilhavam com os raios de sol. Me senti com um pouco de vergonha, parecia que eu estava querendo saber demais e me intrometendo em coisas que não devia.

– Desculpa.

– Pelo quê? – ela pareceu confusa fazendo uma careta de confusão. Como ela poderia ser desse mundo? As pessoas comuns sabem responder automaticamente a um “desculpas” com “tudo bem” ou “não foi nada” ou qualquer coisa que pareça educado, mesmo nada estando bem, mesmo tendo realmente alguma coisa incomodando. Ela parecia realmente escutar cada palavra que eu dizia.

– Eu não sei. – respondi sem saber muito mais se eu sabia de alguma coisa. Ás vezes a gente pede desculpas sem saber também, por hábito. Com o tempo as conversas vão formando um roteiro, onde ninguém realmente escuta ninguém, estamos apenas tentar ser educados e manter algum contato com outras pessoas.

– Bem, se você não sabe porque então também não posso saber se ter perdoo ou não. – ela respondeu séria, mas não de maneira rude, nunca rude, não seria da sua natureza fazer alguma grosseria. Ela era firme, não de uma forma mal educada, firme de um jeito que você apenas para e escuta o que ela tem a dizer.

– Acho que está certa. – disse enquanto passava a mão no cabelo, sentindo um pouco de vergonha pela conversa incomum. – Você precisa de ajuda para decidir para que lugar que ir?

– Isso parece ser bastante complicado. Decidir as coisas, sabe, são situações sempre muito complicadas, principalmente quando não existe opção certa. – ela pareceu falar consigo mesma. – Ou quando o certo não parece certo. Ou quando ele realmente não é. É sempre difícil decidir. Principalmente porque, ás vezes, a gente não quer, porque decidir as coisas faz você descartar a outra. Deixar coisas para trás é sempre muito difícil.

– Eu poderia tentar te ajudar. – insisti, era tudo que eu podia oferecer no momento.

– Você faria isso por mim? – ela pareceu surpresa, mais que isso, pareceu intrigada, com um toque de desconfiança e descrença.

– Claro, acho que não seria um problema. – respondi, realmente não via problemas em ajudar.

– Você tem algum motivo? – ela perguntou, dessa vez o seu olhar pareceu vagar mais um pouco mostrando mais aquele seu pedacinho quebrado.

Para falar a verdade eu não entendi muito a pergunta, mas eu já havia percebido que ela não era muito de explicações. Então apenas respondi o que achava que devia.

– Não tenho motivos para ajudar as pessoas. Me foi ensinado a apenas ajudar as pessoas e eu procuro fazer isso sem questionar. Talvez porque me faça sentir que estou fazendo a coisa certa. “Fazer o bem sem olhar a quem”, era o que minha mãe sempre repetia quando eu era menor.

Ela deu um risinho melódico parecia ter se divertido com a minha explicação, o que me fez sentir que eu talvez tenha falado algo bobo.

– Acho que gostei de você. – ela disse por fim, e isso bastou. Pela primeira vez o seu riso foi sem graça, como se ela não quisesse ter gostado de mim. Como se ela estivesse muito cansada depois de uma longa viagem. Mas ela soube disfarçar muito bem, porque ele soou como uma música suave. Nesse momento eu já estava sorrindo com ela, não me importava se o motivo da graça era eu. – Mas nada pode ser dado de graça. De um jeito ou de outro eu teria que te pagar pela ajuda.

– De onde você veio? – depois que falei percebi que era uma pergunta muito invasiva. Mas agora já era tarde. Ela não pareceu se importar de qualquer forma.

– Da lua, é claro. – respondeu como se fosse óbvio. Talvez fosse, eu nunca havia conhecido ninguém de lá para saber e com certeza nunca havia conhecido alguém como ela.

– Que lua? – perguntei, talvez estivesse falando de um reino distante, de uma vila, de uma trupe, de uma família importante…

– Eu poderia te mostrar, mas ela só aparece de noite. – ela respondeu olhando para cima como se eu nunca tivesse notado a lua antes, como se isso fosse perfeitamente plausível. Qualquer outro tipo de pessoa teria respondido outra coisa. Era uma pergunta idiota, afinal. Claro que ela estava falando da lua.

– Eu sei onde fica a lua! Mas é impossível você ter vindo de lá! – disse em alarme. Ela apenas deu de ombros não se importando nem um pouco que eu duvidasse dela. Não queria ser rude e duvidar de sua palavra, mas talvez fosse tarde para isso. Sua serenidade me envergonhou de novo, eu parecia estar fazendo alarde por pouca coisa. Talvez ela fosse mesmo da lua. – Como é lá? – eu perguntei em uma forma de desculpa.

– Isso eu não posso te falar. – ela disse sem mudar de expressão, com os olhinhos encolhidos por conta do sol encarando o horizonte em espera pela lua.

– Tudo bem… Porque não pode me falar?

– Também não posso te contar isso. – ela respondeu serenamente, certa do que estava dizendo, sem temer julgamentos ou preocupando em se explicar. Nós aqui da terra estamos sempre nos explicando, mesmo quando não é necessário… Principalmente quando não é necessário.

– Tudo bem então, eu acho. – eu segurava as minhas mãos uma na outra como um leve sinal de nervosismo, ansiedade talvez. – Eu poderia ir um dia a lua?

Seus olhos pareceram se entristecer por completo dessa vez, ela olhou para baixo.

– Não…

– É por isso que não quer voltar? Porque ninguém pode ir para lá?

– Eu não posso te responder isso. – ela disse com a mesma firmeza de antes. Era melhor mudar de assunto.

– Você está aqui faz muito tempo?

– Sim. – ela respondeu com pesar na voz. Como alguém que está por muito tempo longe do que ama. Como alguém que está longe de casa por tempo demais.

– Deve ter visto muitas coisas.

– Vi. – ela disse olhando para longe como se lembrasse de suas aventuras pela terra e pelo mar.

– Bem, você me disse que nada pode ser dado de graça. Eu te ajudo a decidir para onde ir e em troca você me conta histórias. – sugeri.

– Histórias sobre o que? – ela me perguntou desconfiada, deveria estar esperando mais insistências sobre a lua.

– Sobre todas as coisas que viu aqui. – respondi sem pestanejar. Todas as verdades do mundo estão contidas em histórias.

– Então você me ajudaria a decidir para onde ir? – ela disse tentando evitar olhar para o céu.

– Isso mesmo. – respondi pensando se eu havia procurado sarna para me coçar. Para onde iria querer viajar alguém que conhece todos os lugares a vista?

– Parece bom o bastante para mim. – ela respondeu com aquele sorriso que quase afasta toda a tristeza de seus olhos. Parte também poderia ser timidez. Talvez por isso que a lua não brilhe tanto como o sol. Talvez ela não queira chamar tanta atenção para si.

– Desculpa, ainda não perguntei o sei nome.

– Aqui foi-me dado o nome de Ester… Eu gosto desse nome, pode me chamar assim. – ela respondeu com a voz baixa por entre o vento barulhento e mal educado.

– É realmente um bom nome para se gostar.

– É porque eu não sei. – disse ela, de repente. Mas dessa vez teve a delicadeza de completar o seu pensamento. – Eu não sei como voltar para a lua. Por isso ainda não voltei. – ela revelou. Ela era o tipo de pessoa que guarda as palavras ditas a ela em uma caixinha como pedras preciosas.

Então eu escoltei Ester até a minha casa, não que ela precisasse de escolta, ela conhecia todos os lugares visíveis afinal. Lá, em volta da fogueira, eu ouvi todas as histórias que ela tinha para contar. Ouvi sobre reis e bobos da corte, sobre montanhas e planícies, sobre grandes reinos e pequenas vilas… E sobre o amor. E aprendi que a melhor coisa é amar e ser amado de volta.

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